A ideia de que a raça de um cão determina seu comportamento é um conceito amplamente aceito e frequentemente reforçado por estereótipos populares. Rottweilers e pit bulls são frequentemente vistos como agressivos, enquanto labradores e golden retrievers são considerados amigáveis e dóceis. No entanto, um estudo recente publicado na revista Science em 28 de junho desafia essas suposições, revelando que a conexão entre raça e comportamento pode não ser tão forte quanto se pensava.
Esta pesquisa, que analisou respostas de donos de mais de 2 mil cães e sequenciou o DNA de 2.155 cães, sugere que muitos traços comportamentais são hereditários, mas a raça oferece um valor preditivo limitado. Neste artigo, exploraremos os achados desse estudo inovador e discutiremos suas implicações para a compreensão do comportamento canino e suas conexões com a genética.
O Papel da Genética
“Embora a genética desempenhe um papel na personalidade de qualquer cão, sua raça específica não é um bom indicador de tais características”, afirma Elinor Karlsson, autora do estudo realizado pela Universidade UMass Chan, o Instituto Broad e a Universidade Harvard. O que descobrimos é que os critérios que definem um golden retriever são suas características físicas o formato de suas orelhas, a cor e qualidade de sua pelagem, seu tamanho e não se é amigável.
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A pesquisadora Kathleen Morrill explicou que entender as relações entre raça e comportamento pode ser o primeiro passo para desvendar os genes responsáveis por condições psiquiátricas em humanos, como transtornos obsessivo-compulsivos. “Não podemos, porém, perguntar aos cães sobre seus problemas, pensamentos ou ansiedades. Sabemos que os cães têm uma vida emocional rica e experimentam distúrbios que se manifestam em seu comportamento”, disse ela à imprensa.
Metodologia do Estudo
A equipe de pesquisa sequenciou o DNA de 2.155 cães, tanto de raça pura quanto mestiços, para identificar variantes genéticas comuns que pudessem prever comportamentos específicos. Essas informações foram combinadas com respostas de 18.385 donos de animais da Arca de Darwin, uma iniciativa de dados abertos onde os donos descrevem as características e comportamentos de seus pets.
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Os pesquisadores estabeleceram definições padrão para características como obediência, sociabilidade com humanos e padrões motores relacionados a brinquedos. Além disso, características físicas e estéticas também foram analisadas. Ao todo, Karlsson e Morrill identificaram 11 pontos no genoma dos cães associados a diferenças comportamentais, como obediência, devolução de objetos, apontar algo procurado e latidos.
Conclusões do Estudo
Entre os comportamentos analisados, a raça desempenhou algum papel, como os beagles e sabujos que tendem a uivar mais, os border collies que são mais flexíveis, e os shiba inus que são menos flexíveis. No entanto, sempre há exceções. Por exemplo, embora os labradores tenham uma tendência menor de uivar, 8% deles o fazem. Já 3% dos galgos enterram brinquedos, apesar de 90% deles não o fazerem.
Quando se analisou o limiar agonístico, que incluía perguntas sobre se os cães reagiam agressivamente a determinadas situações, não se observou um verdadeiro efeito da raça. No geral, a raça explicou apenas 9% das variantes comportamentais, sendo a idade um melhor indicador de algumas características, como o uso de brinquedos. No entanto, as características físicas foram cinco vezes mais previsíveis pela raça do que pelo comportamento.
Essa descoberta desafia suposições generalizadas que influenciaram leis, como a proibição de pit bull terriers no Reino Unido e em muitas cidades dos Estados Unidos.
Significado da Raça
Antes do século 19, os cães eram selecionados por suas funções, como caça, guarda e pastoreio. “As raças modernas de cães enfatizam a conformação dos ideais físicos e a pureza da linhagem, uma invenção vitoriana”, aponta o estudo. As raças modernas carregam variações genéticas de seus antecessores, mas não nas mesmas frequências, explicando a diferença de comportamento entre as raças.
Os próximos passos incluem aprofundar o estudo dos comportamentos compulsivos em cães e suas conexões com transtornos obsessivo-compulsivos em humanos. Uma descoberta intrigante é que a sociabilidade dos cães em relação aos humanos foi “incrivelmente herdada”, mesmo sem depender de sua raça. Os pesquisadores encontraram um ponto no DNA canino que poderia explicar 4% das diferenças de sociabilidade entre indivíduos, correspondendo a uma área do genoma humano responsável pela formação da memória de longo prazo.
“Entender a sociabilidade dos cães com os humanos pode nos ajudar a compreender como o cérebro se desenvolve e aprende. Então, estamos apenas arranhando a superfície”, concluiu Morrill.
Conclusão
Os resultados do estudo desmentem a ideia de que a raça de um cão é um indicador confiável de seu comportamento. Embora certas tendências comportamentais possam ser observadas em algumas raças, as exceções são numerosas e significativas. A pesquisa revelou que fatores como idade podem ser preditores mais precisos de comportamentos específicos do que a raça.
Essa descoberta tem implicações importantes, não apenas para a forma como entendemos e tratamos nossos animais de estimação, mas também para a legislação e políticas públicas que muitas vezes são baseadas em suposições equivocadas sobre raças específicas. Ao aprofundar nossa compreensão das bases genéticas do comportamento canino, podemos avançar na identificação dos genes responsáveis por condições psiquiátricas em humanos, oferecendo novas perspectivas para ambos os campos. Em última análise, este estudo nos lembra que, assim como os humanos, cada cão é um indivíduo com uma combinação única de características e comportamentos.
Perguntas Frequentes
A raça do meu cão pode prever seu comportamento?
Não exatamente. A raça oferece um valor preditivo limitado para a maioria dos comportamentos, sendo as características físicas mais previsíveis.
Como a genética influencia o comportamento dos cães?
A genética desempenha um papel importante, mas complexo, no comportamento dos cães. Fatores como o ambiente e a socialização também são significativos.
Quais são as implicações práticas desse estudo para donos de cães e legisladores?
Donos de cães devem focar no comportamento individual de seus animais. Legisladores devem reconsiderar leis baseadas em raça, promovendo a educação dos donos e comportamentos responsáveis.